Globalização na era digital: Gerenciamento de dados pessoais em um contexto global

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É bem conhecido que o conceito de globalização antecede o advento da Internet, assim como o fato de que a Internet acelerou o processo de globalização ao facilitar o acesso à informação e permitir comunicação instantânea em todo o mundo.

Por outro lado, nunca tivemos nossa privacidade tão exposta após a Internet. Nossos dados estão distribuídos em servidores ao redor do mundo e são acessados por diferentes países e empresas para obter insights por meio de comportamentos pessoais e coletivos, a fim de definir tendências ou tomar decisões. Além disso, existem casos de vazamento de dados que expõem informações privadas no sub mundo da Internet; somente em 2018, foram oficialmente reportadas 2216 violações de segurança em 65 países, sendo que o pior desses números, 536 violações, ocorreram na indústria da saúde (Seh et al., 2020). Regulamentações, restrições e interesses nacionais podem fragmentar e colocar em xeque a abertura da Internet global e impactar a forma como ela se encaixa na globalização. No entanto, um acordo internacional sobre proteção de dados, novos métodos para proteger e autorizar o uso de dados pessoais e um uso correto e responsável da inteligência artificial (IA) podem servir como alternativas para evitar a fragmentação da Internet.

Em 2006, o professor Clive Humby, da Universidade de Sheffield, previu o papel significativo dos dados no mundo e cunhou a famosa frase “Dados são o novo petróleo”. Essa analogia refere-se aos processos de extração, refinamento e destilação de dados para impulsionar a inovação empresarial e o valor desse produto no mercado global. Sua previsão estava correta, à medida que modelos de infraestrutura de dados em larga escala foram desenvolvidos nos anos subsequentes. Muitas empresas tentaram coletar enormes volumes de dados de alguns segmentos para construir um mercado de dados complexo. No entanto, com a evolução da tecnologia, a legislação em muitos países foi adaptada para proteger seus cidadãos e seus dados. Alguns países implementaram regras para garantir o direito ao esquecimento ou a anonimização de dados privados ou sensíveis. Eles também criaram regulamentações especiais para proteger esse tipo de dado, aumentando ainda mais a dificuldade de transporte de dados através das fronteiras.

É incontestável que existem vantagens nas economias e sociedades ao adotar modelos de negócios baseados em dados. No entanto, os benefícios do fluxo de dados dependem da confiança de todos os atores que operam no ambiente digital. Os consumidores provavelmente não usarão produtos ou serviços nos quais não confiam; as empresas, especialmente no espaço digital, precisam investir muito esforço para obter os benefícios de escala, a menos que possam operar globalmente, e os países precisam proteger seus interesses nacionais. Diante desse cenário, 71% dos países implementaram políticas para proteger os dados de seus cidadãos e salvaguardar seus interesses nacionais, e outros 9% têm algum projeto de lei em andamento (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento [UNCTD], 2021). Por exemplo, o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) da União Europeia estabelece algumas regras para aquisição, salvaguarda e uso de dados pessoais ou sensíveis. Essas leis também criam uma entidade reguladora para supervisionar a aplicação adequada da lei e impor multas àqueles que não cumprem as regras (Parlamento Europeu, Conselho da União Europeia, 2016). Enquanto outros países implementaram mecanismos extremos para controlar e restringir o acesso à Internet, os exemplos mais famosos desses países são a Rússia e a China. Eles criaram serviços alternativos para substituir os concorrentes globais e bloquearam o acesso a determinados serviços para seus cidadãos (Budnitsky, S. e Jia, L., 2018). Quando existem várias leis, normas, estruturas e diretrizes sobre proteção de dados, torna-se desafiador para os formuladores de políticas aplicarem a privacidade e a proteção de dados efetivamente em diferentes jurisdições. Diante do complexo cenário global, as grandes empresas, especialmente as empresas de tecnologia, precisam de equipes especializadas, com advogados, encarregados de proteção de dados (DPOs), arquitetos de soluções e outros profissionais para entender os requisitos de cada país ou região e promover as adaptações necessárias para cumprir essas regras, operar no mercado global e conquistar a confiança do consumidor.

As soluções para esse desafio envolvem a concepção de uma lei internacional que harmonize os requisitos legais entre todos os países e melhore a esfera técnica. Existem esforços bem-sucedidos para equalizar o processo político em alguns blocos econômicos, como a União Europeia (UE) e a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN). Embora esses protocolos simplifiquem o processo em países restritos, muitos outros têm distinções em suas leis e procedimentos. O estabelecimento de uma lei comum reduzirá o custo das operações em escala global, fornecerá segurança jurídica para governos e empresas, facilitará auditorias por autoridades nacionais e internacionais, estabelecerá direitos e deveres claros para prevenir comportamentos inadequados e poderá acelerar o desenvolvimento de novas ferramentas para simplificar e aumentar a segurança do transporte, salvaguarda e gerenciamento de dados entre as fronteiras. Além disso, na esfera técnica, alguns protocolos técnicos padrão podem ser adotados para proteção, rastreamento e autorizações de uso de dados. Uma vez que esse protocolo global seja implementado, um novo modelo de uso de dados poderá ser criado. Se os dados são o novo petróleo, é justo que o proprietário dos dados possa decidir compartilhá-los, vendê-los ou controlar seu uso. Dessa forma, uma carteira digital de dados poderia ser criada (Norta et al., 2021), onde o usuário poderia escolher compartilhar dados específicos ou proibir o acesso a dados por determinadas empresas e obter um extrato de seus dados compartilhados em escala global. Falando sobre avanços técnicos e desenvolvimentos recentes em inteligência artificial, no futuro teremos ferramentas poderosas para detectar, combater ou rastrear eventuais vazamentos de dados (Mohammed, 2015), aumentando a segurança, a confiança e a conformidade com as leis. Uma vez que as leis sejam harmonizadas, um protocolo técnico global seja implementado e a segurança dos dados seja automatizada, o fluxo de dados entre os países será simplificado e confiável para todos os atores.

Em conclusão, a Internet desempenhou um papel colossal na globalização, permitindo conectividade global, comunicação instantânea e acesso à informação. Infelizmente, também expôs nossa privacidade de maneiras sem precedentes devido ao uso comum. Além disso, o uso inadequado de registros pessoais por algumas empresas e os vazamentos de dados destacam a imprudência ou falta de habilidades para gerenciar esse tipo de dado. Para lidar com esse cenário complexo, é necessário abordar essa questão por meio da harmonização legal, definição de protocolos técnicos e modelos modernos e automatização de auditorias para prevenir violações de segurança. Essas ações são essenciais para lidar com os desafios de proteção de dados e privacidade na era digital. Ao promover a confiança nos fluxos transfronteiriços de dados e capacitar os indivíduos a gerenciar seus dados de forma eficaz, desfrutaremos dos benefícios da inovação impulsionada por dados e da globalização sem a burocracia ou fragmentação do mercado da Internet e os altos custos das operações globais de proteção de dados.

 


Referencias

Budnitsky, S., & Jia, L. (2018). Branding Internet sovereignty: Digital media and the Chinese–Russian cyber alliance. European Journal of Cultural Studies, 21(5), 594–613. https://doi.org/10.1177/1367549417751151

European Parliament, Council of the European Union. (2016). Regulation (EU) 2016/679 of the European Parliament and of the Council of 27 April 2016 on the protection of natural persons with regard to the processing of personal data and on the free movement of such data, and repealing Directive 95/46/EC (General Data Protection Regulation). Official Journal of the European Union, L 119, 4.5.2016. https://gdprinfo.eu/

Mohammed, A. I.(2015). The Interaction Between Artificial Intelligence and Identity & Access Management: An Empirical Study. International Journal of Creative Research Thoughts, pp. 3, 668–671. Retrieved from https://www.researchgate.net/publication/353888035

Norta, A., Hawthorne, D., & Engel, S. L. (2018). A Privacy-Protecting Data-Exchange Wallet with Ownership- and Monetization Capabilities. In 2018 International Joint Conference on Neural Networks (IJCNN) (pp. 1–8). Rio de Janeiro, Brazil.  https://doi.org/10.1109/IJCNN.2018.8489551

Seh, A. H., Zarour, M., Alenezi, M., Sarkar, A. K., Agrawal, A., Kumar, R., & Khan, R. A. (2020). Healthcare Data Breaches: Insights and Implications. Healthcare, 8(2), 133. https://doi.org/10.3390/healthcare8020133

United Nations Conference on Trade and Development. (2021). Data Protection and Privacy Legislation Worldwide. Retrieved from https://unctad.org/page/data-protection-and-privacy-legislation-worldwide

University of Sheffield. (2023). Profile of Professor Clive Humby. Retrieved from https://www.sheffield.ac.uk/dcs/people/academic-visitors/clive-humby